Eugénio de Andrade

Entre os teus lábios é que a loucura acode, desce à garganta, invade a água. No teu peito é que o pólen do fogo se junta à nascente, alastra na sombra.

Nem os olhos sabem que dizer a esta rosa da alegria, aberta nas minhas mãos ou nos cabelos do dia...

Havia uma palavra no escuro. Minúscula. Ignorada. Martelava no escuro. Martelava no chão da água. Do fundo do tempo, martelava. contra o muro. Uma palavra. No escuro. Que me chamava.

Sê paciente; espera que a palavra amadureça e se desprenda como um fruto ao passar o vento que a mereça.

A boca, onde o fogo de um verão muito antigo cintila. O que pode uma boca esperar senão outra boca?

Devias estar aqui rente aos meus lábios para dividir contigo esta amargura dos meus dias partidos um a um.

Param as fontes a beber-te a face.

Voa coração, ou então...Arde!

Procura a maravilha. Onde um beijo sabe a barcos e bruma. No brilho redondo e jovem dos joelhos. Na noite inclinada de melancolia. Procura. Procura a maravilha.

Levar-te à boca, beber a água mais funda do teu ser - se a luz é tanta, como se pode morrer?